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Arte vazia
Eu era caçadora de musas, já com pensamentos de me aposentar antes de fazer minha última viagem ao mundo dos mortais. Foi assim que me deparei com aquela moça de lábios vermelhos e olhar altivo. Ela tinha um perfil interessante, mulher de sorriso largo e quadris fartos costumam aparecer nas minhas seleções. Seguimos juntas numa viagem pelo mundo das artes.
Ela não era artista, embora estivesse, em função do trabalho, envolvida com pessoas do meio artístico. De nariz empinado e poses altivas, olhava com desdém para os que considerava menos cultos. Não trouxe os pais para a estreia teatral que mediou. Também não convidou os parentes pobres para ver a filha cantar num espetáculo musical. Não admitiu que a empregada espiasse o livro que lia sobre arte moderna. Nem deixou que a babá adentrasse a sala de exposições da galeria de arte, mas que esperasse com os bebês na recepção enquanto ela apreciava as esculturas. Tampouco foi polido de sua parte não convidar os amigos leigos para a visita ao museu.
“Vocês não iriam compreender a obra” era o que sempre dizia como justificativa.
Para mim, soou arrogante. Petulante. Mais que isso, ou menos, soou vazio. Não me obrigo a entender a arte, apenas sinto, permito a mim mesma o direito de me extasiar diante de obras, de sons, de palavras. A arte, para mim, está na criação espontânea ou minuciosa, de instinto ou de anos de estudos. A arte pode ser rebuscada, mas pode ser apenas popular. A arte pode estar nos grandes museus ou nas pequenas feiras de artesãos locais. Eu admiro a arte de Dali, na Espanha, mas também o quadro dali de Paranaguá, da mulher que pinta por prazer na Vila São Vicente. Admiro também o dali, das feiras locais, dos artistas que pintam para sobreviver. Impressionam-me os grandes estilistas, mas me encanta mesmo as tramas do bordado da vizinha, os pontos entrelaçados do tricô da avó.
Mas tal mulher parecia viver numa bolha, onde somente seu mundo importava.
Em um almoço de domingo, com pratos elaborados um a um pelo chef, faltou um convidado. Sobrando uma porção, a mulher o ofereceu à babá, antes que a jovem partisse.
“Pode levar, se quiser, embora pratos elaborados não matem a fome do povão. São para paladares delicados, por isso a porção é pequena”, avisou.
A jovem agradeceu, recusando:
“Seduz-me o prato tão bem elaborado que chega a ser uma obra de arte, mas acolhe-me mesmo o almoço de domingo com fartura e amor de família. E a minha está me esperando.”
A outra deu de ombros:
“A comida comum enche a barriga, a comida bem-elaborada enche a barriga e os olhos. Assim como a arte alimenta a alma daqueles que a entendem.”
“Mas a arte alimenta minha alma, sim, embora eu seja leiga”, respondeu a jovem antes de partir.
Acolher! Sim, a arte acolhe, pensei, ao presenciar aquela conversa. Mas o pseudo-expert, que não acolhe ninguém, não acomoda a arte, apenas a esconde em sua doce ignorância do saber egoísta.
Dizer que alguém não precisa ver porque não entende… Privar o outro do deleite aos olhos daquilo que lhe carece a explicação… Quanta empáfia!
Não, a arte não é apenas para entendidos. A arte é para os sensíveis. Por isso passei a ver a mulher com outros olhos. Para mim, as pessoas também são arte, mas ela se tornou uma escultura oca. E toda sua beleza se desfez como um trabalho em material de baixa qualidade se deteriorando no tempo.
Ela, despreocupada, fez mais uma selfie para as redes sociais, ostentando um anel caro e uma bolsa de grife.
“Difícil falar de arte para desentendidos, não?”, ela comentou comigo, certa de que já era uma musa.
“Inúteis suas poses”, avisei, preparando-me para a despedida.
Ela me olhou surpresa. Justifiquei:
“A arte, embora, na minha opinião, não precise obrigatoriamente ser entendida, precisa de conteúdo. Mas você se mostrou uma arte vazia”, completei, partindo para a árdua procura de uma beleza genuína que venha de dentro.
Ela ficou ali, como uma escultura morta, feita de sal, prestes a se desfazer. Mas não se desfez. Empinou o nariz e tirou outra selfie. Mais fácil fazer caras e bocas do que refletir suas inconsistências.
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Amar de novo
Você estava lá! Foi um momento inesperado Um encontro não estabelecido No curso do tempo cronometrado da vida Um sopro em meu silêncio Mas você estava lá… Como um acendedor de sonhos Iluminando uma noite insólita Foram encontros isentos de pareceres Sinótico caminho ao momento que importa Circunlóquios desobrigados, sim, dispensamos Rodeios verbais que pouco dizem, às vezes nada. Dispensamos o discurso para viver O sinestésico silêncio de olhares Então você realmente estava lá… E preencheu uma lacuna jamais antes preenchida Não de parvoíces, *pachequices, tolices Não de perversidades vestidas de paisagem Você me vestiu de juventude Com a juventude que já não mais me vestia Me vesti de mim para te entregar o que guardei: O contentamento de qual quase me desprendi Face o enfado da espera Sim, você estava lá… @lucianemonteiro.escritos #escritos #recomeços *pachequice (variação de pachequismo): pompa, mediocridade como do personagem Pacheco, de Eça de Queirós.
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A outra brecha
Quando eu era criança, quase me afoguei no mar, arrastada por uma onda um pouco grande para uma menina de quatro anos. Nada muito grave, fora o susto e o assombro do que vi: uma janela. Sim, tenho certeza que era uma janela, mas ninguém acreditaria.
A partir dali, passei a buscar brechas no tempo, entradas disfarçadas em espaços incompreensíveis da existência. Basta um sopro inquietante no ar, um movimento diferente das folhas no chão, e sei que ela está lá: a brecha, esperando para ser descoberta. Às vezes, basta fechar os olhos e apagar a mente para o tempo que se move, movendo a alma para o tempo que se desfez apenas diante de nós, mas se fixou no espaço. Neste espaço invisível ao nosso ingênuo olhar.
Foi assim que fiz minha primeira viagem para um tempo que não vivi, dancei com meu pai uma dança que não conheci, revivendo sensações que me eram familiares: o amor!
Tornei a abrir a brecha e fui parar no Isle of Wight Festival, em 1970, com The Doors tomando o palco. Quando vi, estava movendo os quadris ao som de “Light my fire”. Era um ritmo tão envolvente que não precisava de qualquer entorpecente para me sentir entorpecida pelo prazer da dança. A experiência foi intensa, e durou inacreditáveis treze minutos e quarenta e sete segundos. Recusei-me a voltar ao presente e, como estava em um ano que não vivi, avancei ainda mais longe e, desta vez, fui parar no Cavern Club, em 1962, dançando com os Beatles.
Estava adorando estas viagens, embora durassem pouco. Porém, a mais extasiante foi quando coloquei “Call me” e respondi um novo chamado ao passado. O clima esquentou com “One day or another”, mas se acalmou com “Love is in the air”. Foi, então, que reconheci a escrivaninha de madeira na qual eu subia para fingir que estava numa pista de dança.
Olhei ao redor, e um dos meus irmãos estava lá com com seus amigos, mas não se incomodaram com minha presença. Ele ainda tinha os cabelos cacheados da moda e apenas dezessete anos. Que idade linda! Todos o adoravam, ele vivia inventando criancices que amávamos. Era meu ídolo, embora tenha me ensinado a ser passional e sofredora, a ponto de chorar com músicas tristes até hoje. Aquele sofrimento bom e ruim ao mesmo tempo, sabe? Bem, só pessoas nostálgicas, como nós dois, entendem isso. Mas éramos assim, nostálgicos, infantis dos três aos trinta, e assim por diante, sem entender a necessidade de crescer.
Meu outro irmão entrou no quarto minutos depois, com seus quinze anos e um disco do Michael Jackson na mão. Ele era igualmente bonito, e eu já estava acostumada a ter novas amigas que se aproximavam de mim para se aproximar, na verdade, dele. Eu o amava, embora ele representasse todo o sofrimento que um irmão pode causar a sua irmã mais nova. Afinal, era ele quem me chamava de baleia quando eu engordei, mais tarde, na época da depressão da adolescência. Era ele, também, que me esnobava sempre aparecendo com um aparelho de som melhor que o meu. Porém, eu não era boazinha, brigávamos como cão e gato; eu partia para cima dele e, quando não dava conta, chorava para ele apanhar do pai.
E foi assim que crescemos: brigamos quase a vida toda, ficávamos meses sem nos falar, mas nunca deixei de amá-lo. Nossa disputa me incentivava: eu pensava que, se ele tinha um diploma, eu também deveria ter. Se ele tinha um carro, eu também poderia ter, e assim por diante. A certa altura, eu desisti de disputar com ele porque ele sempre ganhou mais que eu, então deixei pra lá. Depois crescemos, e tudo o que restou foi amor. Eu gostei de reencontrá-lo, durante essa brecha no espaço e no tempo, porque, quando não estávamos brigando, estávamos nos divertindo com sua criatividade. Eu gostava dos seus discos e ele até traduzia algumas músicas para mim.
Esse retorno ao passado me lembrou do dia em que meus irmãos inventaram de fazer uma montagem de “We are the world”, que ficou muito engraçada. A letra era assim: “Dá um cobertor pra quem precisa. Dá um cobertor e um novo dia virá na sua vida”. E tudo era levado muito a sério: cada um de nós, com seu nome artístico, cantava a sua parte. A vida era tão leve!
Opa, a festinha começou! Chegaram as amigas e amigos dos meus irmãos. Eu estava sempre ali, no quarto, querendo ser “adulta” no meio deles. Eles não se incomodavam com a minha presença, mas minha mãe ficava de olho, como um leoa, e logo me tirava de lá. Afinal, eu não era adolescente e nem podia pensar em namorar, já os meus irmãos e suas amigas não eram muito inocentes…
Eu não sei que corpo eu tinha, mas sentia-me com meu corpo de menina e comecei a dançar com eles. “Billie Jean” no vinil e “cuba libre” circulando escondido. Foi mágico relembrar o quanto nos divertíamos. Eu não queria ir embora mais. Ficaria ali, viveria tudo de novo. “Call me”, agora, e um chamado do lado de fora da brecha. Tapei os ouvidos, queria curtir minha pré-adolescência com meus irmãos adolescentes.
Outro chamado. Não, era só “Call me” agitando a festinha, disse a mim mesma, mas, então, ela entrou no quarto, e eu paralisei. Era ela, com seu vestido vermelho de bolinhas brancas, sombra verde e rosa, tão na moda naquela época, e o batom escuro que usava escondido da mãe. Era ela, distraída, tentando entrar despercebida na festinha, aproveitando-se do jogo de luz.
Era ela, era eu! Sempre querendo ser adulta antes de tempo e, no presente, querendo ser criança de novo. Sorri para mim sem saber se eu me olhava ou não, pois vi que entrou rapidamente e paralisou o olhar também. Porém, logo em seguida ouvi a leoa rugindo atrás da porta: saia já desse quarto!
Meu coração palpitou exasperado. Ela, que era eu, olhou para trás, e eu também olhei na direção da voz, mas não consegui ver minha mãe. Tentei alcançá-la, só queria uma rápida olhadinha. “Call me”. Não, eu não podia voltar ainda, insisti para o tempo, consumida na brecha que me arrastava. Então, escutei o chamado do presente mais uma vez, acordando, aflita, em meu quarto; ouvindo, então, a propaganda do YouTube se intrometendo na minha playlist de músicas antigas.
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O aviso
Descobri que não tenho mais sonhos
Perderam-se na névoa fria das incertezas
Na exatidão de ser o que eu não deveria ter sido
Me perdi na minha falta de rumo
Desencontrada de mim, nas sonolências da inércia
Desci às incongruências do meu universo
E me esqueci de voltar
Apaguei ideias que me perseguem, mas não as escuto
Perdi meus anseios, não estavam onde os deixei
Vasculhei devagar, pois meus braços latejavam
Nadei demais, e o sal da vida não tempera
as alegrias que não tenho, só me ardem os olhos.
Pensei que estivesse no meio do caminho
Porém estava no fim
Eu era a pedra, a estaca, a placa reluzente
dando o aviso que não li.
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Meu primeiro livro infantojuvenil: “O veneno negro”.
É com muita alegria que apresento o novo membro da família. O veneno negro é meu primeiro livro de literatura infantojuvenil. Porém, ele é perfeito para jovens e adultos, pois aborda, de maneira lúdica, questões sobre a autoestima que nos afetam em todas as idades. É, ainda, para o público masculino, pois alguns leitores já reconheceram que tiveram uma Madame Safira em suas vidas.
A obra faz parte da Coleção III Mulherio das Letras, um projeto de livros de bolso publicado pela Editora Venas Abiertas. O projeto foi tão marcante que a primeira edição foi finalista, em 2020, do prêmio Jabuti, no eixo “inovação”. Para quem não conhece, o Mulherio das Letras é um coletivo feminista literário, criado em 2017, com mais de 7 mil mulheres no Brasil e exterior, com foco na expressão pela palavra escrita e oral.
Coleção III Mulherio das Letras: 33 livros de bolsos, 33 autoras, 33 formas de explorar o universo feminino.Sinopse: O veneno negro, obra destinada ao público infantojuvenil, discorre sobre as frustrações e angústias da adolescência. A jovem Luiza, intoxicada por um veneno que potencializa sua baixa autoestima e comportamento arisco, pode sucumbir, ou ouvir a sua voz interior. A voz, enfim, da mulher que toma forma e reivindica seu espaço. Nesta narrativa, o destaque é para o momento em que percebemos que as bruxas e fadas não são seres imaginários, mas seres que criamos dentro de nós quando fechamos, ou não, os olhos para nossa essência para acreditar no que os outros dizem que somos.
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Barco sem vela
Imagem por Pixabay. Ele era um homem apaixonado que, contudo, amava a mulher mais do que a si mesmo. Esqueceu o brio, esqueceu-se de buscar um sentido para a própria vida. Aceitava migalhas de um amor, fingindo não ver seu declínio. Ele, um homem de grandes sonhos, do tamanho do céu que figurava explorar um dia, mas que não explorou. Pés plantados na areia, não saiu de frente do mar. Ali, bastava jogar a rede, os peixes vinham. Pescava no almoço, comia na janta, no dia seguinte o mar provia de novo. Ela, sereia sem caldas, com pernas prontas a correr, queria ostras, lagostas, a leveza da seda e lençóis de cetim.
Os lábios dela tentaram falar que o amor havia acabado, os ouvidos dele se fecharam. Os olhos dela revelaram o fim, os dele se desviaram para não ler o aviso. Ela tentou resgatar o que se perdeu, mas o amor expirou. Ela partiu para navegar por outros mares, e ele a seguiu com seu barquinho a remo, acompanhando-a entre ondas e náuseas do destino. Acenando de longe entre mentiras entrelaçadas que bordava em silêncio.
Nos olhos mortificados, a tristeza desnuda. No breu da madrugada, a alma sangrava e o coração gritava ausências. Nos olhos dela, porém, não se via nada, nem lembranças do amor que um dia estuara, mas desardeu de repente como outros que tivera. Ela queria o mundo, deslizando insana entre seus sussurros que confeccionavam asas. Um dia partiu voando. E ele, que há muito havia esquecido o sonho de voar, não pôde alcançá-la.
Era um homem solitário. Um homem que amou demais e esqueceu de partilhar o que sentia, amava e repelia, como um louco descompensado andando em círculos na via irrompida de sua sanidade. Não viu os anos passarem, não viu os filhos crescerem, não viu a barba embranquecer.
Chegava a causar compaixão. Outras mulheres vieram, outras mulheres o amaram. Mas o homem não amou a mais ninguém, e duvido, inclusive, que um dia tenha amado a si mesmo.
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Relato de Mulheres
Fiquei muito feliz por ter tido um conto do Taça Escarlate selecionado para o projeto Relato de Mulheres.
O projeto tem como foco personagens femininas de textos escritos por autoras brasileiras e estrangeiras!
Convido-os a apreciar a leitura sob a narração da talentosa Lilyan de Souza, atriz, diretora e produtora da Inominável Companhia de Teatro.
Aproveitem para se inscrever no canal e ouvir mais vídeo-leituras narradas pelos mediadores de leitura Fabiane de Cezaro, Lilyan de Souza e Lucas Buchile.
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Meu primeiro e-book infantil!
Vocês já pensaram que as crianças estão, cada dia mais cedo, com um tablet ou celular na mão? Se não tem como fugir deles, vamos levar os livros para os aparelhos. Eis aqui meu primeiro e-book infantil. Modesto, sem ambições pedagógicas, apenas o intuito de divertir! E eu? Feliz como quem lança o primeiro livro. Aliás, feliz como uma criança! Saiba mais: A senhora não solta pum?
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Lançamento de Setembro/2021
Depois de retratar a violência doméstica e psicológica em “A última tempestade”, em “Fama ao Avesso”, vou abordar mais um pouco das batalhas de toda mulher. Aqui ocorre um outro tipo de assédio e violência: a pornografia de revanche, ou seja, a exposição de imagens íntimas por vingança ao término de um relacionamento. A vida da personagem, Jenifer Motta, vai virar uma verdadeira montanha-russa de emoções: a vergonha e constrangimento a princípio, chances inusitadas de trabalho, despertar da vaidade, decepções, perseguição do ex-companheiro e, é claro, o momento de se descobrir e recomeçar! Saiba mais: Fama ao Avesso.
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O olhar do outro
Imagem de Ria Sopala por Pixabay A moça na bicicleta invejou a mulher no conforto do carro. A mulher do carro invejou a liberdade da moça na bicicleta.
O adolescente no skate aspirou o relógio do empresário ancião. O empresário ancião quis a juventude do skatista sem a preocupação com o tempo.
O menino com a pipa desejou o carro de controle remoto do garoto do parque. O garoto do parque desejou a habilidade de controlar o voo da pipa.
Quando se cruzaram no shopping, a jovem simples cobiçou o vestido caro que a madame elegante usava. A madame elegante cobiçou o shortinho descolado no corpo da jovem simples.
O estagiário novato saiu cedo e partiu para a faculdade, cogitando o cargo do chefe engravatado. O chefe engravatado cogitou a oportunidade de o novato escolher um trabalho que não o obrigasse a passar o dia de gravata.
O aluno aplicado quis ter o conhecimento do professor dedicado. O professor dedicado quis resgatar a inocência de quando era apenas um aluno aplicado e não tinha a obrigação de saber tudo.
Chegando do trabalho com a companheira, o homem esticou os olhos para o corpão da vizinha e achou que ela tinha um marido sortudo. A vizinha esticou os olhos para a mulher do homem, pensando que sortudo ele era por sua esposa bem-cuidada.
E cada um, na imprecisão de um olhar descuidado, descuidou de si. Desbotou-se diante do espelho que não refletiu o outro, mas a sua própria imagem sem retoques.
E, assim, todos, desejando a grama do vizinho, voltaram frustrados para casa, abandonando no limbo, do outro lado do espelho, a pessoa que realmente importava.