Barco sem vela
Ele era um homem apaixonado que, contudo, amava a mulher mais do que a si mesmo. Esqueceu o brio, esqueceu-se de buscar um sentido para a própria vida. Aceitava migalhas de um amor, fingindo não ver seu declínio. Ele, um homem de grandes sonhos, do tamanho do céu que figurava explorar um dia, mas que não explorou. Pés plantados na areia, não saiu de frente do mar. Ali, bastava jogar a rede, os peixes vinham. Pescava no almoço, comia na janta, no dia seguinte o mar provia de novo. Ela, sereia sem caldas, com pernas prontas a correr, queria ostras, lagostas, a leveza da seda e lençóis de cetim.
Os lábios dela tentaram falar que o amor havia acabado, os ouvidos dele se fecharam. Os olhos dela revelaram o fim, os dele se desviaram para não ler o aviso. Ela tentou resgatar o que se perdeu, mas o amor expirou. Ela partiu para navegar por outros mares, e ele a seguiu com seu barquinho a remo, acompanhando-a entre ondas e náuseas do destino. Acenando de longe entre mentiras entrelaçadas que bordava em silêncio.
Nos olhos mortificados, a tristeza desnuda. No breu da madrugada, a alma sangrava e o coração gritava ausências. Nos olhos dela, porém, não se via nada, nem lembranças do amor que um dia estuara, mas desardeu de repente como outros que tivera. Ela queria o mundo, deslizando insana entre seus sussurros que confeccionavam asas. Um dia partiu voando. E ele, que há muito havia esquecido o sonho de voar, não pôde alcançá-la.
Era um homem solitário. Um homem que amou demais e esqueceu de partilhar o que sentia, amava e repelia, como um louco descompensado andando em círculos na via irrompida de sua sanidade. Não viu os anos passarem, não viu os filhos crescerem, não viu a barba embranquecer.
Chegava a causar compaixão. Outras mulheres vieram, outras mulheres o amaram. Mas o homem não amou a mais ninguém, e duvido, inclusive, que um dia tenha amado a si mesmo.