Louco para sair da gaveta e espalhar poucas e boas: “Desafetos & Cia”.

Esse é um projeto um pouco mais despojado e divertido. São crônicas, histórias do dia a dia, algumas fantásticas no sentido literário. São contos leves que exploram o lado estafante do ser humano. Retratos do chefe arrogante ou de algum vizinho inconveniente. Quem sabe o político corrupto, um familiar petulante. Talvez estejam nesse livro. Aguarde…

O HOMEM DE TETAS

Imagem por Pixabay.com

Sim, eram tetas. Todos tinham certeza de que eram tetas, mas ele achou que eram músculos. Bem, talvez um dia tenha sido, quando tomara os anabolizantes, pois não era fácil tentar sair do Ensino Médio aos vinte e cinco anos de idade e ainda ter tempo para malhar todos os dias, de modo que os anabolizantes serviram bem. Mas depois veio a preguiça, as cervejas, o uísque, mais cervejas. E o que um dia pode ter sido músculo virou… tetas.

A família sabia, olhava de canto, mas nada dizia. Entretanto ele não tinha apenas tetas, era também muito chato, ficava fuçando na vida de todo mundo, e também na casa, na cozinha, sempre procurando algo do que reclamar. A jovem Hosana, com quem se casara, já não o suportava mais.

— Por que você colocou os ovos na segunda prateleira? — ele reclamou quando abriu a geladeira. — É na primeira. Os ovos são na primeira, leites e frios também. Por que a geleia está aqui? Geleia é na porta — ele explicava novamente a ordem das coisas na geladeira.

A mulher bufou e olhou para cima. Tossiu para botar para fora:

— Mala — soou durante a tossida.

— O quê? O que você disse? — ele quis saber.

— Ãh? Eu apenas tossi — respondeu, fazendo cara de inocente, já que sabia da pouca inteligência do esposo.

A esposa não fazia nada o dia inteiro, ficava apenas em frente à televisão assistindo a desenhos e novelas. Ele, por sua vez, quando chegava em casa, ia para o videogame, mas não antes de “fuçar” a cozinha e ver se tudo estava no lugar, como fez naquela fatídica sexta-feira 13.

— Hum, espera aí — ele paralisou quando foi jogar uma casca da banana na lixeira.

— Você jogou a caixa de leite no lixo comum?

— Não percebi — ela respondeu, desinteressada, lixando as unhas.

— Vou te explicar: lixo reciclável é para separar na lixeira de recicláveis.

— E você sabe separar sua cueca suja da limpa? Consegue diferenciar? — ela perguntou, irritada.

— O quê? — ele ficou indignado com o atrevimento da esposa.

— Para de me pilhar. Está parecendo uma mulherzinha — ela acabou dizendo, farta de tanta importunação.

— Mulherzinha! Vai ver que está faltando uma mulher de verdade aqui em casa, daí tenho que fazer o papel de mulherzinha e ver se tudo está no lugar na cozinha, já que minha mulher só fica em frente à TV — ele enfatizou.

— Não tem por que eu sair para trabalhar, você é concursado. O governo te paga muito bem para você me sustentar.

— Está dizendo o quê? Que meu trabalho é fácil? — perguntou, indignado.

— Vai dizer que não? Fica postando fotos nas redes sociais o dia inteiro e diz que está trabalhando. Vocês, funcionários públicos, só mam…

— Vai dizer que estou mamando nas tetas do governo, é isso? — ele chegou a colocar as mãos na cintura, enrugando a testa.

A mulher segurou as palavras e um riso. Ele a encarou desafiador e os olhos alertavam para que ela não se atrevesse.

Ela, porém, o correspondeu, desafiadora também, e se atreveu:

— Bem, melhor você mamar nas tetas do governo do que ele nas suas.

Dessa vez ele mudou de cor, a face enrubesceu de tanta raiva. Ia dizer-lhe algo, não agradável com certeza, quando alguma coisa lhe chamou atenção. Aguçou o faro e fuçou duas vezes, movendo o nariz como fazem os cães. A mulher o observou em silêncio. Ele fez de novo, mais duas vezes e, então, virou a cabeça novamente na direção da lata de lixo, dessa vez a azul. Foi se aproximando e fuçando cada vez mais intensamente. Abriu a tampa, inspecionou e, em seguida, olhou furioso para a esposa:

— Você jogou restos de carne no lixo para papel? — ele quase gritou, exasperado.

A jovem esbugalhou os olhos quando se deparou com a face do marido. Ficou muda, deu um passo para trás. Ele permaneceu com o mesmo olhar de raiva e ela com o mesmo olhar de assombro.

Porém o espanto não era pelo flagra ou a nova bronca, é que o que temia finalmente aconteceu: o homem de tetas tinha agora, também, focinho!

Texto de Luciane Monteiro

Imagem featured link: Sammy-Williams por Pixabay  #literaturabrasileira #contos #desafetos #autoranacional