Coleto sorrisos
Todos os dias uma sorridente senhorinha passava pelo meu portão. Era magra, mas não pequena, sempre de saia rodada e sorriso no rosto. Imaginei que sua juventude viçosa ficou cravada na alma. A alma era jovem, por certo, pensei. Um dia, curiosa, perguntei o que ela fazia.
“Coleto delicadezas”, respondeu tranquila. “Hoje o dia não rendeu muito, só três acenos de cabeça, um bom dia e dois sorrisos. Sorrisos contidos, mas gentis. Levo-os comigo para casa, não no bolso, mas na memória de que recebi pequenas delicadezas ao longo do dia. Amanhã será outro dia, amanhã coleto mais.”
Fiquei curiosa sobre sua inusitada atividade diária. No dia seguinte, perguntei como havia sido a coleta.
“Hoje a coleta foi pequena”, respondeu-me com a mesma tranquilidade, “mas não importa a quantidade. O importante é colher gentilezas. Vim de um reino onde não se dizia bom dia e me sentia uma estrangeira. Descobri que nessa terra estranha se diz bom dia, mas você tem que estudar a expressão primeiro. Se identificar um indício positivo de sorriso, corresponda, o sorriso faz bem para a alma. Não alimenta o corpo, a conta bancária, apenas a alma. É um conforto delicado”. Olhei para suas vestimentas simples e surradas, afinal sorrisos não pagam contas, pensei. “E, amanhã, o que fará?”, indaguei.
“Amanhã será outro dia. Solitária e forasteira, caminharei novamente, por ruas, lagos e montanhas. Castelos, casebres e abrigos. Neles se abrigam pessoas, quem sabe alguns anjos… Abrigam-se famílias inteiras ou apenas habitantes solitários. Mas em todos os refúgios abrigam-se sonhos, como os que se abrigam em mim”, ela respondeu com o olhar quimérico.
Busquei os sonhos em mim e descobri que havia me despido de todos para caber em minha realidade. Perguntei, então, o que fazia com os sorrisos coletados.
“Eu os distribuo”, respondeu, doando-me um sorriso.
Segurei com carinho e guardei no peito. Mais tarde me senti aquecida e percebi que sua solidão não era diferente da minha, apenas separada por um muro; eu num castelo, ela num casebre. Voltei ao portão no dia seguinte, mas não do lado de dentro.
“Descobri que nesse reino também se abrigam fadas”, eu lhe disse, acompanhando seus passos, com uma cesta imaginária na mente para coletar pequenas gentilezas da vida ao seu lado.
Luciane Monteiro
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